Essa história é realmente incrível e me foi contada pelo único herói nacional ainda vivo que participou deste emocionante resgate da tripulação do C47 da FAB, o Sr. Misael Lopes. Seu Mimi, como é conhecido esse personagem reconhecido como herói nacional, juntamente com outros 13 homens, pelo então Ministro da Aeronáutica Sr. Nero Moura (Vide cópia da citação), tem hoje (2012) 85 anos de idade, na data do acidente tinha 25. A julgar pelos atuais moradores da ilha desta idade, devia ser ele, e os outros heróis, homens fortes, acostumados a desbravar o mar em busca do peixe em suas frágeis canoas feitas de tronco, suas varas e redes de pesca.
Tentem voltar no tempo exatamente para 1952 no dia 11 de Julho. Como era Boipeba naquela época? Tentem imaginar como eram os recursos que esta ilha dispunha? Um lugar que ainda nos dias de hoje conta com apenas 3.000 habitantes e onde o principal meio de transporte é uma lancha rápida, que leva 1 hora para percorrer aproximadamente 30 km. Naquela época existiam apenas 600 pessoas habitando a ilha e o principal meio de transporte era a canoa de tronco (vide neste site o que são estas canoas). Não havia luz elétrica nem tampouco uma maneira rápida de comunicação.
Dê repente, às 07:00h da manhã, cruza o céu bem baixo, no sentido norte-sul, um avião enfumaçando uma das asas. Ele passa bem perto da praia do Oteiro e quase desaparecesse da visão dos moradores da Vila da Velha Boipeba (“...O pessoal escutou a zoada, e quando o pessoal olhou viu o avião de lado sem um motor.”), porém, para os moradores de Moreré, ele inicia uma fantástica e trágica aparição. Os moradores puderam ver o aparelho se chocar no mar a mais ou menos uns 200 metros à leste das piscinas naturais de Moreré. (“...Quando o avião bateu no mar foi um estrondo medonho, se ele caísse em terra não escapava ninguém...”)
Na praia de Tassimirim estava uma canoa de tronco com aprox. 4 homens e Mimi com outros 9 homens saíram em mais 2 canoas remando da praia da Boca da Barra (“..nós já ia colocar o calão, mas mudamu o rumo”). Os homens eram (desculpe-me por não ter todos os nomes completos e também por estar faltando o nome de dois dos homens – vou me esforçar em consegui-los):
Misael Lopes Menezes (Mimi) (1927, fev, 5), Neto Gomes Gonsalves Magalhaes, Antônio Décio, Natinho de Valença (Dono de uma das canoas), Manuel Lopes Meneses (irmão de Mimi), Jorge, Odorico, Álvaro, Antônio de Paulo, Raimundo cunhado de Mimi, Duca, Érico
Imaginem o que foi isso, não é nada fácil remar esta distância. Hoje se pode fazer o percurso da praia da Boca da Barra até as piscinas naturais de Moreré com uma lancha de motor de 150 HP, em 20 minutos.
Na canoa onde estava Mimi “...três ficaram remando e Neto esgotando. Eu fiquei remando na popa e depois passei pra proa.”, um trabalho em equipe, um não é nada sem o outro.
Quando foram chegando onde estava o avião “...vimu 3 nadano uma moça e dois home, a moça vinha na dianteira, disse pra salvar os home porque ela ia nadando. A moça tava com a roupa toda rota, demu uma camisa pra ela e pusemu ela na proa. Também subiram os moço mucho cansado com a carteira nos dente, a dona falô: que qui é isso, esquece dessas cartera”. Depois destes 4, esta mesma canoa pegou mais 6 e portanto, ficaram 4 marujos e 10 sobreviventes, ou seja, 14 pessoas a bordo desta embarcação.
Mimi mergulhou e pegou 2 pessoas e depois caiu para pegar mais um “..não vou deixar morrer não, falei. Quando cheguei lá no fundo ela tava de juei, peguei com uma mão e a outra fui remando até a superfície. No caminho achei que não tava indo pra cima, tive que pará um pouco e fazê umas bolhas, fiquei confuso, o home tava mucho fundo. Despois de umas 10 braçadas cheguei na beira da canoa.”
Foram remando para a praia da Coeira esgotando o tempo todo, “ a canoa tava quera isso para enchê, tinha que esgotá iguá doido”, o “isso” foi um sinal com a mão que Mimi fez mostrando mais ou menos 5 centímetros, imagina isso!
Quando chegaram na praia da Coeira lá estava o doutor Mustafá de Valença, e ele disse “traz ele pra aqui, tire sua camisa e ponha nele”, Mimi se refere ao homem que teve que buscar bem no fundo e que estava “de juei”. “e doutô fez respiração nele e salvou este home”.
Depois que chegaram a praia de Coeira “um otro avião de 6 motô ficô rudiano, acho quera amigo dus que caíru”.
Esta mesma canoa foi e voltou várias vezes ao local do acidente e retornou com tripulantes para a praia, uns vivos outros não.
Ao total foram resgatados pelo grupo 20 pessoas com vida e 13 mortos. O piloto e outros 3 nunca foram encontrados “...esses o mar levô”.
“Uns do que morreu era um sargento que estava indo passar a lua de mel no Rio, ele morreu e muié sobreviveu.”.
Até hoje, segundo pescadores de arrasto de camarão da ilha, as vezes a rede prende em alguma peça do avião. Segundo mergulhadores que na atualidade estiveram no local, não é possível ver nenhum dos destroços da aeronave.
Ah, já ia me esquecendo, estes 14 homens foram buscados em Boipeba por um navio da Marinha Brasileira e levados até Salvador, onde foram recebidos pelo então Ministro da Aeronáutica Sr. Nero Moura com honras de heróis nacionais. Foram condecorados como tal e cada um ganhou um certificado, vide foto, e uma quantia em dinheiro que “comprei coisa nu mundo!”.
E então, incrível esta história né? Não sei se serei piegas mas: PARABÉNS a estes homens que foram escolhidos como ferramentas do Divino e não fraquejaram, cumpriram seu papel sem titubear, sem temer nada, apenas segurando na força de fazer o bem ao seu semelhante.
Pois é, Boipeba é isso, tem muita coisa pra ser vista e ouvida. Poder conversar com o próprio Mimi é muito gratificante, ele tem inúmeras histórias interessantíssimas de mar, de terra e de vida. A vila é repleta de pessoas da idade de Mimi, e as vezes até mais velhas, que ficam super felizes em poder compartilhar suas histórias com pessoas interessadas.